(Segunda parte deste post).
Ao chegar, dia 6 de Abril [de 2013], Mário Belém, 35 anos, é o que mais se diverte a imaginar as histórias das vidas passadas e testemunhadas por aquelas paredes. “Eu fiquei com o quarto da miúda infeliz”, brinca, ao apresentar o espaço que escolheu. “Tinha pensado ficar com uma divisão maior, mas depois vi este papel de parede e não resisti.” Está a falar de um papel azul com florzinhas e duas meninas com chapéus de palha e cabelos a esvoaçar ao vento ao pé de uma casa no lago. E sente-se literalmente em casa: “Eu costumo dizer que não sou da street art, sou da interior art. A maior parte destes nomes vem do vandalismo do graffiti, eu o que tenho feito mais é interiores. E não tenho esse passado.” Paredes suas conhecidas são por exemplo a da Pensão Amor, em Lisboa, ou mais recentemente as das discotecas Tamariz e Ministerium. “No interior, estamos a falar de outra escala, muito diferente da da rua, mas também de outro grau de perfeccionismo porque o trabalho vai ter um maior nível de atenção.” Em Paris, como faz quase sempre, o ilustrador de Carcavelos aposta em várias camadas: primeiro passa tinta branca nas zonas do papel onde quer desenhar, depois pinta o tecto e o chão num azul do mesmo tom, e a seguir cobre tudo com um padrão recortado num stencil (um molde pré-preparado), como se desenhasse uma espécie de papel de parede sobre o papel de parede original. “Não sei bem porquê, mas estou há anos a guardar pastas com padrões no computador. Gosto sobretudo dos portugueses, têm um ar um pouco tosco, mal amanhado”, diz o artista. Mas se esse padrão é aplicado com uma esponja mergulhada em tinta, sem grande preocupação, a ilustração feita na parede é precisa e desenhada por um pulso que não treme nem hesita. Laço na cabeça, trancinha ao lado e as mãos a segurarem o queixo, a miúda infeliz que Mário tinha imaginado surge inteira e logo o ilustrador se entretém a desenhar novos padrões à volta dessa ilustração: olhos, chaves, relógios, floreados e corações com fechaduras. “Eu fui uma velhinha campeã mundial de crochet noutra vida”, diz Belém, como se fosse a coisa mais natural do mundo transformar algo como um naperon em arte urbana. Ao lado, escreve: “Qui t’as vu et qui te vois”, francês para “quem te viu e quem te vê”. Porque não é só o crochet nem a típica portugalidade que interessa — Mário Belém é apaixonado pelos provérbios e as expressões populares, e nunca o escondeu.